Elisângela de Freitas Mathias*
Professora de Arte da rede Estadual de São Paulo há 20 anos
Precisei de mais de quinze anos de exercício docente para perceber que o profissional atuante na escola pública estadual precisa de muitos exercícios de olhar[1] para enxergar possibilidades neste território. É preciso estar atento a tudo que nos cerca para darmos o oxigênio necessário às fagulhas criativas que surgem nas situações de aprendizagem entre os alunos. Uma das aulas mais lindas que ministrei em minha vida, aconteceu a partir de um lampejo percebido em meio a um cenário que, para muitos, era caótico. Foi numa aula de arte, no sétimo ano do Ensino Fundamental, cuja proposta era desenho de personagens em partes do próprio corpo e do corpo dos colegas, para que depois apresentassem uma dramatização a partir dos personagens criados. Esperei que os alunos se dividissem em grupos afins e dei um tempo para que criassem o desenho e a esquete, avisei que no final desse tempo eles iriam apresentar a produção para a sala. Não demorou muito para que a atmosfera da sala de aula anunciasse o que estaria por vir: alunos absorvidos em seus personagens, grupos trocando cenas entre si, improvisações inesquecíveis de alunos explorando partes do corpo, movimentos perambulantes de cooperação e ajuda entre eles, impessoais objetivos de aula sendo destituídos e postos à prova da humanidade emergente, a cada desenho, a cada riso e a cada auxílio de um para com o outro. Eu, neste revelar, me sentia cada vez menos professora para ser cada vez mais companheira dos alunos, uma aluna, atuando junto deles com os meus personagens desenhados em meu corpo, todos juntos, rindo, num clima único de fantasia, brincadeira e felicidade. Risos sinceros. Risos alegres. Risos festivos e entusiasmados. Um riso desarmado e solto. Um riso que ecoou em meu corpo, um tanto desacostumado a ouvir e praticar o riso em sala de aula. Um riso que me acordou da brutalidade velada desta educação pública vivida e amargamente experimentada. Ri tanto que chorei. Chorei por dentro, de felicidade. Aquela felicidade de quem encontrou o que não sabia o que procurava. Nesta aula vivenciei um momento inesquecível e percebi que o riso, o bom humor dentro de sala de aula é capaz de desarticular toda a sisudez reinante. O riso na sala de aula, quando trabalhado distante do escárnio e mais próximo da fantasia, tem o poder de ampliar olhares e percepções, favorecendo um aprendizado em Arte.
*Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART-UDESC em Florianópolis/SC. Mestra em Ensino de Artes, pelo PROF-ARTES, no Instituto de Artes da UNESP/São Paulo (2016-2018). Especialista em Linguagens da Arte pelo CEUMA-USP (2013). Licenciada em Educação Artística com habilitação em Artes Visuais pela UNESP/Bauru (2005), Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela UNESP/Marília (1999). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes Plásticas, Arte Educação e Aprendizado do Desenho de Humor. É Professora da rede estadual do Estado de São Paulo na cidade de Piracicaba.
[1] Uma proposta de atividade do livro O desenho que provoca o riso, que consiste em criar possibilidades de o olhar ir além da visão real ao fixar os olhos em manchas do chão, de paredes e muros; em nós dos troncos das árvores e cercas de madeiras; em sombras projetadas, entre outras formas e tentar registrar o que se vê em desenho.