Por José Minerini[1]
Danilo foi o mais completo gestor pós-moderno.
Empoderou as mulheres na cultura e transformou o SESC SP na primeira instituição
INTERCULTURAL do Brasil.
Ana Mae Barbosa
Tem gente que é muita. Muita gente em uma só. É tanta gente em uma só, que só é possível defini-la como gente et cetera. Ou em sua forma reduzida e mais popular: etc.
Danilo Miranda se foi, mas ficou et cetera! No esporte, na saúde, na cultura, na arte, na educação… Danilo ficou reticências! É tanta gente em uma só fazendo tanta coisa como uma só que virou etc, …
A vida pode ter fim, mas pessoas et cetera não, pessoas reticências jamais.
Nunca falei com Danilo, mas sempre o ouvi. Nunca apertei sua mão, mas sempre fui por ele tocado. Nunca fui diretamente visto por ele, mas sempre o avistei. Sou gente da cultura, da arte e da educação, e como tal, é impossível não ouvir e não ser atingido pela ampla visão de Danilo. Só gente com essa amplitude é capaz de fazer o que ele fez com o SESC SP, com muita… muita gente, e com a vida de muitos de nós – gente da cultura, da arte e da educação – abrindo possibilidades para trabalhar e para vivenciar as tantas coisas feitas por esse servidor do social que praticou a educação pela arte de Herbert Read.
Já não me lembro quando o ouvi pela primeira vez. Talvez em alguma entrevista, nos jornais, nas revistas, na televisão… Reticências! Lembro-me que o vi (e ouvi) presencialmente apresentando Ariano Suassuna em sua última aula espetáculo no teatro do SESC Pinheiros; tempos depois, conversando com José Celso Martinez Correa sobre a remontagem de “O Rei da Vela”, no mesmo teatro. E depois, na montagem de “Esperando Godot” por Zé Celso no Teatro do SESC Pompeia.
Noves fora e cronologia também, fui tocado pelas palavras de Danilo quando falou no início do seminário “As trajetórias de Ana Mae Barbosa” no Centro de Pesquisa e Formação do SESC SP, hoje SESC 14 Bis, ou lhe entregando flores na abertura do “Congresso de Ensino/Aprendizagem das Artes na América Latina: Colonialismo e Questões de Gênero”. Ou então avistando-o de boné enquanto agitava a entrada do SESC da Avenida Paulista em sua reinauguração.
Incontáveis foram as vezes que trabalhei com o SESC em São Paulo, em grande maioria via o AEP – Arteducação Produções, coletivo do qual faço parte e que possui intensa lista em seu currículo de trabalhos feitos com esse serviço social, lista que aumentou recentemente ao participar da organização e preparação de educadores para o novíssimo SESC Casa Verde, o último inaugurado com Danilo vivo.
Palestra sobre o corpo nas artes visuais e curso de escultura no SESC Consolação, aula sobre história da imagem no SESC Jundiaí, sobre histórias infantis e ilustração nos SESC Santo André e Campinas, em exposição de Claudio Tozzi no SESC Araraquara, na Bienal Naifs do Brasil do SESC Piracicaba, palestra sobre arte contemporânea no SESC Santos, jogo educacional para exposição sobre Pelé e o futebol no SESC Bauru… São alguns dos trabalhos que fiz e que fui diretamente tocado pelas reticências de Danilo. Sei que muitos que estão lendo esse texto também tem histórias para contar sobre a presença direta ou indireta de Danilo e do SESC em suas trajetórias culturais, artísticas e educacionais.
Desde idos de 1990, o SESC SP apoiou a Bienal de São Paulo em diferentes momentos, acolheu o seminário internacional “A compreensão e prazer da Arte” – cujos textos dos encartes tantas vezes lemos e debatemos – promoveu pelo ponto de vista educacional sua significativa coleção de arte brasileira, a “Mostra SESC de Artes” e o “Circuito SESC de Artes”. Realizou exposições memoráveis como “O Labirinto da Moda”, que em 1996 tornou-se divisor de águas no trato educacional de exposições, o qual considero como o primeiro grande projeto de arte/educação pós-moderna feito no Brasil. Reticências.
Mais uma vez, sei que muitas e muitos que estão lendo esse texto se identificam com esses eventos e devem estar com vontade de dizer: Nesse eu fui! Esse eu fiz! Naquele eu participei! No outro eu estava lá! Vi Kazuo Ohno dançar. Naquela peça memorável de Antunes Filho eu estava na plateia. Levei meus filhos para ‘se jogarem’ na exposição “Arte Contemporânea para Crianças”. Reticências! Fui ouvir Judith Butler, dei aula nos ateliês, dancei, cantei, pintei et cetera. Integrei a equipe educativa daquela exposição que mexeu com meus paradigmas, reticências. Não silencie, não diga apenas, grite se quiser: ARTE É EDUCAÇÃO! Isso sabemos que Danilo ouviu.
No encarte do CD que inaugurou a série “Relicário” das Edições SESC, com o show de João Gilberto gravado no Teatro do SESC Vila Mariana em 1998, ele escreveu: “Melhor do que o silêncio, só João Gilberto”, ou algo parecido com isso. Nem pensando no silêncio Danilo deixa de nos tocar. Nem mesmo silenciado pelo tempo, Danilo deixa de se fazer ouvir. Haja visto (e ouvido) o seu velório no teatro do SESC Pompeia, tomado de música, de dança, de festa o qual defino como gurufim – funeral festivo de origem africana presente no mundo do samba – que, nesse caso, é antropofágico tal qual propôs Oswald de Andrade e do qual ele próprio participou ao se despedir de Zé Celso no Teatro Oficina.
Mas… se gurufim dribla a tristeza da Morte (entenda-a aqui como sujeito de narrativa griô) e não é o fim, é assim que Danilo Santos de Miranda continua entre nós, com seus infindáveis feitos na cultura, na arte, na educação, et cetera.
Reticências!
[1] Doutor em Arte pela ECA/USP com residência no Teachers College/Columbia University em Nova York. Professor e pesquisador em história da arte e da educação.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6031242208088301